As terras encontradas pelos portugueses a oeste do Atlântico
eram cobertas por matas virgens. A ocupação
do território teve início com a derrubada dessas
matas, escravizando ou matando os povos indígenas que
nela habitavam. Alguns índios escaparam para o interior
e lá permaneceram até que, mais tarde, foram
novamente surpreendidos pelos colonizadores.
Desde o século XVI, os portugueses dominaram o território
dos Guayaná, antepassados dos Kaingang, que habitavam
a região de São Vicente. Os colonizadores foram
expropriando os índios de seu habitat natural e, assim,
modificando o habitat e a cultura Kaingang.
Os antigos Guayaná são descritos como agricultores
sedentários, embora a caça e a coleta também
fosse parte de seus hábitos. Ao que parece, graças
às constantes modificações advindas dos
contatos com os brancos e com os outros grupos tribais, ocorreu
a desorganização da agricultura Kaingang. No
século XIX e início do século XX, a caça
e a coleta passaram a ser mais importantes, aparecendo também
a pesca como atividade de subsistência.
Levando-se em conta que o milho era a base da alimentação
Kaingang e que dele se fazia uma bebida fermentada de nome
Kiki, que, inclusive, empresta o nome para a principal festa
ritual deste povo, crê-se que, antes do contato com
o branco, a agricultura Kaingang era, de fato, uma atividade
tradicional.
Os Kaingang gostavam de animais e aves, apreciando principalmente
as carnes de anta e queixada. Já os Guarani preferiam
a carne de macado, paca e capivara. Também apreciavam
a convivência com os cães que, especialmente
treinados, eram valiosos no auxílio à caça.
Quando mortos, os animais eram moqueados para se conservarem
por bastante tempo. Além do moquem, espécie
de grelha, os aingangue usavam a brasa e o espeto. Para preparar
os animais de maior porte, eram feitos buracos no chão
revestidos com pedras. O fogo era feito dentro do buraco até
as pedras tornarem-se incandescentes. As cinzas e brasas eram
então removidas, e as pedras recobertas com folhas,
e por cima, colocava-se a carne cuidadosamente envolta em
folhas.
Já os Guarani tinham o hábito de pescar e de
comer os peixes que eram mortos com arco e flecha, ou espetados
com um arpão de duas pontas. A pesca ainda era praticada
com as mãos em lagoas que eram drenadas, usando também
a pesca de timbó, um tipo de planta que, esmagada e
lavada, produzia efeito entorpecente nos peixes, que, então
podiam ser apanhados.
O que se retirava da natureza, na economia Kaingang, parece
ter ocupado posição de destaque na subsistência
do grupo. Dentre muitos produtos, o mais importante era o
pinhão, que comiam assado sobre brasas, em forma de
pão ou em sopa. Na falta de pinhão, comiam o
miolo da cabeça da estipe do gerivá (Coccus
macrocopa) ou da palmeira juçara (Euterpe edulis) e
a raiz de uma espécie de bromélia, a gravatá
ou camatá.
Colhiam ainda o mel para alimentação, utilizando
a cera na impermealização dos cestos. Apreciavam
as crisálidas dos abelheiros e consumiam larvas de
outros insetos como vespas, maribondos, besouros e baratas
que proliferavam nos troncos podres de taquaras e palmeiras.
Gostavam também de ovos, que conseguiam roubando nos
ninhos dos pássaros.
Os Kaingang e os Xetá tinham tanto habitações
fixas quanto aquelas de caráter temporário,
quando saíam para caçar ou coletar nos matos.
Nas aldeias dos Kaingang, as choças eram construídas
com varas fincadas no chão, apresentando forma redonda
ou quadrangular e cobertas com folhas de palmeira ou de taquara.
Quanto aos Guarani, as cabanas eram retangulares e obedeciam
à mesma feitura, só que usavam a palmeira ou
um tipo de capim para a cobertura.
As moradias – sempre de chão batido – geralmente
não apresentavam divisões internas, mas havia
a separação do local onde se fazia o fogo do
espaço destinado ao armazenamento de produtos ou utensílios.
Existia apenas uma porta para entrada e saída.
Os relatos dos sertanistas e jesuítas que trabalhavam
na pacificação dos Kaingang afirmam que os índios
andavam completamente despidos, usando somente um cinto de
fibra, que ornava a cintura. No frio, enrolavam-se em mantos,
chamado "curucuhá". Já as índias
usavam saias feitas de fibras presas à cintura por
um cinto feito de casca de cipó-imbé. Os panos
tecidos eram desenhados com figuras geométricas em
tinta vermelha. Os cintos eram tingidos de preto. Ornavam-se
ainda com colares feitos de sementes pretas entremeadas com
presas e garras de animais.
Alguns Kaingang, de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, usavam
botoques semelhantes aos Guarani. Usavam também nos
lábios pedaços de madeira na forma de pregos.
Viseiras de plumas eram usadas sobre a testa e o cacique portava
plumagem em forma de leque, que era vestida em torno da cabeça
e amarrada na nunca. Já os Kaingang do Paraná
usavam uma espécie de "coroinha" no topo
da cabeça, o que lhes valia a denominação
de "coroados", dada pelos colonos portugueses. Arrancavam
também todos os pêlos do corpo. As pinturas corporais
– usadas apenas para as cerimônias funerais –
eram feitas com carvão vegetal, obedecendo a uma simbologia
de cada subgrupo. Costumavam fazer listras pretas no peito
como proteção contra os maus espíritos.
Entre os muitos objetos fabricados pelos Kaingang estão
os artefatos de caça, guerra, coleta e agricultura.
Arco e flecha eram feitos de pau d’arco e as lanças,
muito comuns, recebiam pontas de ferro obtido entre os brancos.
Os Kaingang do Paraná também utilizavam bastões
curvos e cilíndricos, envolvtos em trançado,
decorados com gravação a fogo e possuiam uma
espécie de caixa para guardar objetos feitos de cestaria.
Para ataques e perseguições a inimigos, colocavam
no caminho estrepes pontiagudos feitos de ossos. Também
cavavam armadilhas em forma de fosso cujo interior revestiam
de lanças.
Os Kaingang e os Guarani – como a maioria dos índios
brasileiros – não tinham o costume de envenenar
as pontas das flechas.
Os Guarani eram exímios atiradores com arco e flecha.
Usavam pontas de osso ou madeira apontadas em suas flechas.
Dedicavam-se também à caça de pequenos
animais e aves, como as do gênero Inhambu, galináceos
que quase não possuem cauda.
Tanto os Guarani como os Kaingang utilizavam o "pari",
uma espécie de armadilha feita de talas e varas para
apanhar peixes.
A produção de cestarias é arte presente
na cultura material das duas tribos. As cestas eram utilizadas
para guardar ou transportar produtos.
Os Kaingang não desenvolveram nada semelhante à
navegação Guarani. Para cruzar um rio, derrubavam
árvores de cada lado e uniam o espaço com os
troncos amarrados em estacas fixadas no leito do rio. Nadam
mal, por falta de hábito, e só em situações
aterradoras é que se arriscavam entrar na água
e tentar a travessia. Utilizavam muito pouco as suas precárias
pirogas, barcos primitivos feitos de troncos de árvores.
Os índios Guarani, historicamente, sempre tiveram intensa
ligação com os rios e o mar. Mas, ao longo dos
anos, e sempre pressionados pela colonização,
foram forçados a deixar o mar e habitar o interior,
em geral, próximos a rios e riachos de água
doce. Desde cedo aprendiam a nadar e ainda hoje conduzem suas
canoas com rara habilidade.
Na tecelagem Kaingang, os panos eram feitos de urtiga brava.
As fibras eram enroladas em bolotas, fervidas e lavadas até
se tornarem uma massa branca e flexível. Depois eram
trançadas e tecidas manualmente, tingidas com catiguá
e desenhadas na cor escura.
As mulheres carregavam seus filhos em redes às costas.
Faziam bolsas de fibras e recipientes de taquara fina.
As cerâmicas eram feitas de argila, modelando-se primeiro
a base do pote em argila mole borrifada com água ou
saliva. Quando os potes estavam totalmente secos eram queimados
na boca. Para tornar a cerâmica "inquebrável"
borrifava-se com uma mistura de água e farinha de milho.
Com o pote ainda quente, as rachaduras eram preenchidas com
cera de abelhas. Todos os potes tinham base crônica
para ser fixados no solo.
A argila era usada na confecção de utensílios
domésticos e de urnas para sepultamento. Da mesma foram,
o chamado "Petinguá", ou cachimbo dos Guarani
feito com barro especial, é também muito usado
em rituais religiosos, além do uso habitual.
Para obter fogo, os Kaingang giravam uma vareta de madeira
rija por entre as mãos. A extremidade inferior estava
inserida num pedaço de madeira bem seca e mole. O movimento
de rotação provocava faíscas que acabavam
incendiando folhas e cascas de palmeira seca. Esta técnica
também pertencia aos Guarani e aos Xetá.
A medicina entre os Kaingang era praticada de forma ritual.
O Kuiã, espécie de xamã ou pajé,
consultava os espíritos à noite esborrifando
seu cachimbo até ficar totalmente envolto em fumaça.
Os espíritos desciam e ensinavam como deveriam ser
preparados os remédios. Davam também informações
sobre assuntos de interesse da comunidade.
Praticavam ainda sangrias na testa, tratamentos à base
de ervas curativas, massagens antecedidas por cataplasmas.
A gravidez e o parte mereciam tratamentos especiais. Na gravidez,
mulher e marido não se uniam e ambos observavam tabus
alimentares. O parto acontecia na floresta e, dias após,
mãe e criança eram defumados, rito acompanhado
por uma bebedeira geral. Com os colonizadores, essa prática
se transformou. A parturiente passou a contar com a assistência
de uma parteira (mãe, sogra ou avó). O parto
original entre as índias é feito de cócoras.
Ao completar sete anos, a mãe friccionava a criança
com cinzas e derramava água sobre sua cabeça.
A partir de então, recebia um novo nome que poderia
ser mudado futuramente, dependendo dos feitos praticados.
A medicina tradicional indígena tinha como base o uso
de ervas. A erva-mate, inclusive, originou-se de hábitos
indígenas. Os índios a usavam como estimulante
para vencer o cansaço das longas caminhadas pela floresta
em busca de comida e durante a caça e a pesca.